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Sucesso

Desde sempre, à espreita, no canto do palco estava o crítico. Olhando-me atentamente com seus olhos de besouro.

Desde sempre, volto a dizer, em todas as minhas apresentações. E no final do espetáculo, mesmo sem saber se era agradável ou, conveniente ele me dava seu veredito.

"Isso está ruim."

"Aquilo, você pode melhorar."

"Olho lá, você está engordando."

Raramente oferecia-me um elogio.

Por vezes isso me constrangia, outras me enervavam, algumas eu nem ligava.

Como certas coisas não se podem explicar, não explicarei. Só sei que tomei gosto pelo pobre homem. Talvez me acostumar com sua presença ou por uma simples curiosidade de saber quando um de meus espetáculos ia agradá-lo.

Embora as apresentações sempre me fossem muito prazerosas, receber os elogios de tal alma amargurada no final de algum espetáculo fazia-me mais contente. Talvez eu tenha dado mais importância do que devia a opinião do pobre crítico, pois como fui notar depois, e tarde demais inclusive, o mesmo já tinha me escrito um roteiro e se promovera a meu diretor.

"Essa aqui é a fórmula para seu sucesso." Ele me dizia sério. "Já vi diversas vezes suas atuações e sei que com esse script e um pouco mais de ensaios você será o mais fantástico de todos!"

Não certo se isso me traria algo bom ou se realmente eu o queria, por uma parcela de curiosidade e outra de ingenuidade, comecei então uma rotina de ensaios para o roteiro do pobre homem, mesmo não sabendo muito bem o porquê.

E realmente, logo minha platéia começou a aumentar o que admito, me deixou um tanto lisonjeado. E tal resultado parecia também agradar o meu pobre diretor que cada vez mais me cobrava:

"Você não está ensaiando o suficiente!" Ele me dizia.

"Desse modo nunca chegará a lugar algum!"

E cada vez mais tudo ficava confuso e infeliz. Sucesso, sucesso, sucesso! De que servia o sucesso?

Algumas explicações recebi sobre o assunto, ao que me tinha sido explicado ao tom de muitos floreios e confeitos foi que sucesso era alcançar a felicidade suprema, e para alcançá-la eu teria que ensaiar muito. O que me era um tanto quanto contraditório, pois quanto mais eu ensaiava, menos me restava tempo para ser feliz.

Ensaios, ensaios, ensaios! E ainda mais ensaios!

Aquela nem era a minha apresentação! Onde estavam minhas idéias? O que era eu ali além de um fantoche na mão daquele pobre homem que se elegera meu diretor. Afinal, por que ele mesmo não atuava?

Ensaios, ensaios, ensaios! A eterna busca pelo sucesso.

Triste eu fui perceber que nem a platéia aumentando e os inúmeros elogios não me agradavam mais. De que me adiantava reconhecimento se nem ao menos eu me reconhecia. Estava cada vez mais infeliz e cada vez mais cheio de ensaios.

Agora cá estou eu, iluminado por refletores, em frente à maior platéia que meus olhos já viram. Estou chorando, chorando intensamente após receber o prêmio pelo melhor espetáculo do ano.

Chorava eu com uma felicidade suprema. Não por ter alcançado o sucesso, mas por ter me livrado dele.

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O Espetáculo dos Nefelibatas

Quiçá a platéia não entenda

Mas enquanto aplaudirem eu vou me apresentar

Quiçá a platéia não aplauda
Mas enquanto gostarem eu vou me apresentar

Quiçá a platéia não goste
Mas enquanto assistirem eu vou me apresentar

Quiçá a platéia não assista
Mas enquanto existirem eu vou me apresentar

E mesmo que não existam, o espetáculo não irá cessar.




"Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar." Friedrich Nietzsche

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Produção, Direção e Interpretação


Num lento ranger abre-se as cortinas rubras.

Lá estava!
No centro do palco, iluminado pelos projetores amarelados.

Simplesmente complexo...
Tristemente feliz...
Espalhafatosamente normal...
Divinamente profano...
Calmamente inconformado...
Igualmente diferente...
Melancolicamente alegre...
Conformadamente irado...
Solitariamente incluso...
Estranhamente comum...
Lamentavelmente... Humano.

Perante a platéia, a figura encontrava-se desinteressadamente imóvel olhando as pessoas em suas poltronas, assim ela permaneceu tempo suficiente para perceber que seus espectadores esperavam que fizesse algo.
Estupidamente começa a se movimentar desordenadamente, ora andando, ora correndo, ora pulando, ora fazendo mímica. A platéia esperava mais! Mais uma vez. E agora ora cantava, ora falava, ora orava, ora discursava, ora contava piadas. Ainda nada de aprovação, agora ria, chorava, brincava, brigava, pensava.
Por fim a figura pára e olha novamente os espectadores unanimemente desapontados, dá os ombros e se vai.

Nos bastidores a figura liga o som em suas músicas preferidas, come o que tem vontade, faz o que lhe dá prazer. Então já no fim do dia ela se senta em sua escrivaninha e sobre as folhas amareladas planeja o próximo espetáculo onde mais uma vez tentará agradar a toda platéia.

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O Cartão na Poltrona


O saguão lentamente começa a se encher por pessoas murmurantes de variados estilos, todas concentradas em encontrar sua respectiva poltrona vermelha.

Como os demais, você, meu caríssimo leitor, segue em direção a sua confortável poltrona em veludo, aconchegando-se entre uma aparentemente amável velhinha que se encolhe com seu chale e põe sobre o colo uma bolsinha de croché. Ela tem uns óculos muito grandes e redondos como fundos de garrafa estão apoiados na ponta de seu fino nariz, seus cabelos grisalhos estão impecavelmente presos em um coque muito apertado e notavelmente sua maquiagem estava um tanto exagerada com as maças gritantemente vermelhas. Ao seu outro lado senta-se um jovem alto de cabelos moicanos coloridos com um verde vibrante e muitos piercings por todo rosto.

As luzes lentamente diminuem e com elas os sussurros. Você nota que está sentado sobre um dos cartões que se encontravam nas poltronas, alguns outros presentes o lêem atentamente.


"Caríssimos,

Por favor desliguem seus celulares e acomodem-se. O espetáculo irá começar."

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